
O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E SUA RELEVÂNCIA PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA
“Desde o início por ouro e prata
Olha quem morre, então veja você quem mata
Recebe o mérito, a farda que pratica o mal
Me ver pobre, preso ou morto já é cultural.”
(Trecho da música “Negro Drama”, composta por Mano Brown e Edi Rock, do Racionais MC’s).
Dia 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra no Brasil. Você já se perguntou o porquê essa data é importante e como ela surgiu?
O termo “Consciência Negra” denomina a percepção histórica e cultural que as pessoas negras têm sobre si mesmas. A data de 20 de novembro representa o dia da morte de um importante representante da resistência negra à escravidão no país, o líder Zumbi dos Palmares, escravizado aos seis anos de idade, que foi o último líder do Quilombo dos Palmares, ajuntamento de pessoas escravizadas foragidas que atravessou o século XVII, chegando a 20 mil pessoas compondo sua população no seu auge.
A população escravizada era composta, majoritariamente, por pessoas negras retiradas à força de seus lares, em grande maioria dos territórios africanos, e vendidas para trabalhar à serviço dos escravizadores, submetidos a condições desumanas, tendo sua língua nativa, religião, estilos de vida e identidades apagadas, transformados em meras máquinas de trabalho sem direito à dignidade e a um tratamento humanizado. Essa data, portanto, foi escolhida por simbolizar a resistência negra contra os defensores dessa prática nefasta.
Por que não foi escolhida a data da “abolição” da escravatura?
Em 1971, no Rio Grande do Sul, alunos universitários negros se reuniram e criaram o Grupo Palmares. Entre eles estava o poeta gaúcho, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva e Antônio Carlos Cortes, que se reuniram com um dos objetivos de protestar contra o veto da presença de alunos negros em um clube da capital gaúcha, além de discutirem sobre a situação da pessoa negra na cidade.
Nessa reunião, começaram a discutir sobre uma possível data para celebração da cultura negra. Havia, até então, o dia 13 de maio de 1988, que representa o dia da “abolição” da escravatura, expressa na Lei Áurea, chancelada nessa data pela então princesa do Império brasileiro, Isabel. “Abolição”, pois só ocorreu devido a pressões comerciais da Inglaterra, que, embora tenha sido um dos maiores participantes de comércio de pessoas escravizadas da Europa, estava preocupada com a escassez de trabalhadores nas suas colônias no continente africano provocada pelo tráfico escravista. Mesmo com a pressão, o Brasil foi o último país da América Latina a abolir a escravatura e um dos últimos no mundo.
Além da questão dos interesses comerciais - ao invés de humanitários - pelo fim da escravidão, outro ponto que sugere uma falsa abolição foi a ausência total de políticas reparatórias dos danos causados pelos mais de três séculos de escravidão, bem como ausência de políticas públicas de inserção social desta parcela da população, que agora se via sem casa, trabalho e comida, não mais pela violência da escravidão legalizada, mas pelo abandono, exclusão e marginalização por parte do Estado - desde o início do escravismo no Brasil e continuado após sua abolição.
Com isso em vista, a data da morte de Zumbi foi considerada um símbolo mais adequado para representar a luta contra a escravidão no país, bem como representa a necessidade de desenvolver uma consciência solidária e humanizante em relação à violência sofrida e perpetuamente reproduzida contra as pessoas negras em nossa sociedade.
A data ganhou mais clamor com a criação do MNU (Movimento Negro Unificado), em 1978, e nesse mesmo ano foi proposta como Dia da Consciência Negra. Porém, somente em 2011, pela aprovação da lei Nº 12.519, houve a oficialização da data como o dia da Consciência Negra na agenda oficial do Brasil e, apenas em 2023, o feriado relativo a esse dia se tornou obrigatório no país todo.
Por que não tem Dia da Consciência Branca?
A despeito de ser tratado como algo desnecessário por parte da população, que, por vezes, defende que deveria haver, também, um Dia da Consciência Branca, a História já relatada anteriormente e os dados sobre a população de negros (pretos e pardos no IBGE) no país não deixam dúvidas da necessidade de se conscientizar sobre o racismo e o abandono do Estado a essa população - fatos que estruturam a sociedade brasileira e seu funcionamento desde sua fundação - para que seja possível enfrentar essa realidade.
Segundo o Censo de 2022 do IBGE, 45,3% da população brasileira se declarou parda e 10,2%, pretos. Esses números representam um crescimento em relação a 2010, o que pode indicar um aumento na conscientização racial no país, reforçando a importância da data de 20 de novembro, uma vez que permite com que mais pessoas reconheçam sua identidade, seus pares e sua história.
No entanto, a desigualdade segue incidindo com muito mais força nesses grupos, como é possível observar nos dados do Censo 2022 sobre desemprego no país, que teve média nacional de 9,3% em 2022, mas entre brancos foi de 7,6%, enquanto que para pretos e pardos foi de 11,1%. Já a remuneração pela hora de trabalho, em 2022, era em média 61,4% maior para brancos, em comparação com pretos e pardos. Por sua vez, a informalidade no trabalho atingiu, nesse mesmo ano, pretos e pardos 13% (em média) a mais que brancos - evidenciando que a pobreza, a precarização profissional e o desemprego têm cor no Brasil.
Dois últimos dados do Censo que evidenciam a falta de conscientização da população sobre o racismo estrutural brasileiro são os que apontam que 66,6% das pessoas que não estudavam nem trabalhavam para cuidar da casa em 2022 eram mulheres negras e 66,3% das crianças submetidas a trabalho infantil são pretas ou pardas, comparadas com 33% de crianças brancas.
É necessário, também, destacar a violência crônica contra pretos e pardos no Brasil, evidenciada nos dados dos Atlas da Violência 2023, do IPEA. Das vidas perdidas (aproximadamente 37 mil) para homicídios em 2021, 77,1% foram de pretos e pardos, tendo 3 vezes mais homicídios de pessoas negras do que brancas a cada 100 mil habitantes. A cada hora, 4,22 pessoas negras sofreram violência letal em média no país nos anos investigados pelo Atlas. A violência também se expressa no encarceramento, com quase 70% dos presos no Brasil sendo negros, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, do FBSP.
Para refletir
Estatísticas como essas não estão sujeitas à divergência de opiniões: a desigualdade, a violência e o abandono estatal incidem de maneira muito mais pesada em pretos e pardos do que em brancos - reforçando o enraizamento do racismo em nosso país e a falta de consciência a respeito disso. Considerar uma data que busca evidenciar essa realidade brutal como privilégio ou tratamento especial é demonstrar a falta justamente daquilo que a data pretende promover: conscientização.
Uma sociedade só pode ser considerada democrática e humanitária se busca promover dignidade e respeito aos direitos humanos para todos seus cidadãos. Enquanto isso não ocorre, uma data para relembrar a necessidade disso na população negra é pouco, mas indispensável para que possamos cada vez mais nos aproximar de virar essa página lamentável de nossa história.
Autores: Luccas Cechetto (CAD) e Ewerton Araujo - aluno do 8º período de Psicologia da UNISE.
Data de publicação: 16/12/2024
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